Educar e formar[1] foi publicado em 1989 por Jean–Marc Monteil, professor de Psicologia na Universidade de Clermont–Ferrand, onde dirige o laboratório de Psicologia Social. Sua obra busca “propor aos docentes, aos educadores, aos responsáveis pela formação, algumas orientações para a ação, e, aos estudantes e pesquisadores em Ciências Sociais e Humanas, uma fonte de informação útil[2]”. O objeto de tal trabalho consiste, portanto, na educação, e nele podemos encontrar, com proveito para a nossa investigação, as técnicas expostas no capítulo anterior.
1 – A modificação das atitudes.
Tal como nas situações descritas no capítulo anterior[3], o foco aqui são as disposições, as cognições, as percepções etc.: — “Por trás desses jogos de influências, o que se busca é a mudança das disposições e dos comportamentos, a modificação das cognições do sujeito” (p. 118).
“Os processos de influência social podem ser definidos, em sua acepção mais específica, como processos que regem as modificações de percepções, juízos, opiniões, disposições ou comportamentos de um indivíduo, modificações essas provocadas por seu conhecimento das percepções, juízos, opiniões, etc. de outros indivíduos” (Doise[4], 1982, p. 87 — p. 116).
O capítulo seguinte examina alguns fundamentos das mudanças de atitudes, de opiniões, de crenças, de comportamentos ou de condutas; defrontaremos então a complexidade dos processos de influência social, sua variedade, e as múltiplas vias pelas quais se estabelecem novas opiniões, atitudes ou condutas (p. 11).
“Consequentemente, compreende-se facilmente o interesse em modificar a atitude de uma pessoa se houver a intenção, em relação a tal ou qual objeto, de vê-la adotar uma nova conduta” (p. 127).
2 – A aplicação das ciências sociais.
As técnicas utilizadas são aquelas obtidas através da psicologia social. O autor se apoia principalmente sobre trabalhos já citados aqui: — a experiência de Sherif sobre as normas de grupo (p. 118 ), os trabalhos de Asch sobre a conformidade (p. 119 ), os trabalhos de Festinger, Beauvois e Joule sobre a dissonância cognitiva (p. 133) e os de Kiesler sobre o engajamento (p. 142). As técnicas clássicas de manipulação são detalhadas: — “engajamento, dissonância cognitiva, dinâmica de grupo (capítulo 4), influência do prestígio (p. 122), dramatização”.
3 – Mudar a atitude: — da persuasão ao engajamento.
Não haveria como mudar de tema ao mudar de rubrica. Com efeito, é sempre de influência e de processos de influência que irá se tratar, mas nos aplicaremos aqui a um componente particular do alvo de influência: — a atitude (p. 126). Dito sem rodeios, o sujeito adere à sua decisão e, assim, quanto maior o seu engajamento em um comportamento, tanto “maior será a mudança de atitudes caso o comportamento divirja das convicções anteriores do sujeito, e tanto maior será a resistência às propagandas ulteriores caso esse comportamento concorde com as opiniões prévias […]” (Kiesler[5], 1971, p. 32). Que me perdoem a expressão tautológica[6], mas o engajamento nos engaja. Outro ponto importante a ser aqui apresentado ao leitor para a boa compreensão dos propósitos que se seguirão consiste no fato de que alguns fatores permitem manipular o engajamento: — “o caráter explícito do ato, sua importância, seu grau de irrevogabilidade, o número de vezes em que foi realizado, e, sobretudo, o sentimento de liberdade quando de sua realização” (p. 143). Nos dois exemplos escolhidos, os indivíduos foram induzidos a praticar uma conduta custosa em um contexto de liberdade. Assim, as circunstâncias seriam aparentemente aliciantes a ponto de conduzir um indivíduo a manifestar comportamentos contrários às suas convicções ou motivações; comportamentos aos quais lhe será necessário fornecer justificações. Também se compreende que, engajado pelas circunstâncias, um indivíduo possa, hoje, enxergar virtudes onde antes não as via. Apoiado sobre elementos dessa natureza, Joule logra demonstrar, por via experimental, que “uma situação de submissão, associada a um sentimento de liberdade, conduz os sujeitos a se engajar em um ato e, ulteriormente[7], os impele a uma racionalização cognitiva ou a uma racionalização em ato”. Fenômeno que mostra “que é por um novo ato que os examinandos conseguem recobrar algum equilíbrio cognitivo, equilíbrio esse abalado pela realização de um primeiro comportamento de submissão […] sendo a função primeira de um tal fenômeno a de fazer aparecer como racional um comportamento ou uma decisão problemática” (Joule[8], 1986, p. 351).
Enfim, como se observa, as circunstâncias reais ou habilmente manipuladas são capazes de desencadear comportamentos contrários às nossas convicções e, portanto, de nos levar a modificar nossas posições iniciais para conformá-las às nossas condutas. O conjunto desses dados sugere, pois, de maneira assaz evidente, o peso não negligenciável das circunstâncias e das situações sobre a execução dos nossos comportamentos, sobre as cognições que em seguida construímos e sobre os comportamentos futuros que delas surgem como consequência. (p. 145).
4 – Condutas para mudar “as idéias”.
Como indica o título deste parágrafo, entramos aqui numa problemática que propõe uma inversão de relação entre atitude e conduta, com a primeira aparecendo como o produto eventual da segunda. A mudança de atitude se torna então a consequência de uma submissão comportamental. Com efeito, logo que as circunstâncias nos induzem a adotar tal ou qual comportamento que, fora dessas circunstâncias, provavelmente não teríamos adotado, sentimos necessidade — a menos que desenvolvamos, acerca de “nossa fraqueza”, uma culpabilidade definitiva próxima da patologia — de encontrar um meio de restabelecer um universo coerente, momentaneamente cindido por uma contradição vivida entre o fazer e o pensar (p. 132). Após ter obedecido, e com a sensação de tê-lo feito livremente, os indivíduos geralmente adotam o conteúdo, a maioria das vezes avaliativo, do ato que eles acabam de executar. Mais amplamente, as situações de dissonância cognitiva conduziriam a uma submissão dos indivíduos, por exemplo, à justificação de sua obediência por uma modificação avaliativa de suas posições iniciais. Dito de outro modo, e por extensão, após ter praticado um comportamento contrário às suas atitudes, o indivíduo, por um processo de racionalização, se esforçaria por conformá-lo às suas atitudes e opiniões. Mais do que isso, é provável que uma conduta possa comprometer a ponto de determinar novas condutas e não somente modificar as posições atitudinais (p. 149).
5 – A educação.
Recordemos que essa obra, intitulada “Educar e formar”, dirige-se aos docentes, aos educadores e aos responsáveis pela formação.
As técnicas destacadas abaixo são, desse modo, apresentadas para fins explicitamente educativos: — “A abordagem educativa, necessariamente pragmática, deveria, parece-me, poder utilmente se inspirar em uma concepção dessa natureza [que ultrapassa “a ordem fictícia das aparências, […] para esclarecer as camadas desse processo[9]” de influência social]. Tratando-se igualmente dos jogos de influência esperamos ter-lhes ao menos fornecido o gosto” (p. 126).
Ora, tais dinâmicas [de desenvolvimento e de mudanças individuais e coletivas] estão, enquanto objeto de estudos, instaladas no coração da atividade científica dos psicólogos sociais. Por isso, parece-me que nada impede, antes o contrário, de fornecer aos atores da educação, a todos os atores da educação, saberes fundados sobre o indivíduo enquanto ser socialmente inserido e sobre os comportamentos que determinam ou que decorrem dessas inserções (p. 10).
“Se tomarmos, por exemplo, as pedagogias não diretivas, os trabalhos conduzidos no contexto da teoria do engajamento as reconduzem ao que elas sem dúvida não deixaram jamais de ser: — a aplicação camuflada de uma diretriz que, em certa época, tínhamos alguma dificuldade para admitir abertamente” (p. 198).
Enfim, o autor não se esquece de acrescentar algumas palavras sobre a formação dos docentes: — “Para a eficácia de sua ação, o profissional [de educação ou formação| deve, pois, considerar, simultaneamente ou sucessivamente, abordagens diversas. Uma tal conduta supõe, para que tenha alguma chance de sucesso, a admissão e a assimilação da idéia de um profissional continuamente informado sobre os desenvolvimentos das disciplinas que estão relacionadas com seu setor de atividade. Essa atitude não ocorre sem embaraços: — ela impõe posições drásticas que consistem em considerar como necessária a vontade, por parte do profissional, de manter-se informado, a vontade dos pesquisadores de vencer as próprias reticências, de difundir o mais amplo e acessivelmente possível os saberes que eles produzem. Essa atitude impõe, ainda, às respectivas instituições, o colocarem em prática uma verdadeira política de formação profissional contínua. Parece que ainda estamos, infelizmente, assaz longe de uma tal situação. Sem desesperar do tempo, convém, todavia, que não nos abandonemos a ele” (p. 28).
Desde que essas linhas foram escritas (1989), os IUFMS foram criados para preencher essa lacuna. Eles agora abarcam, além dos docentes do setor público, um grande número dos do setor privado[10].
[1] Eduquer et former, J. M. Monteil, Grenoble, Presses universitaires de Grenoble, 1990.
[2] Citado na segunda parte da orelha do livro.
[3] Veja As técnicas de manipulação psicológica.
[4] W. Doise, L’explication en psychologie sociale, Paris, PUF, 1982.
[5] C. A. Kiesler, The psychology of commitment experiments linking behavior to belief, New York, Academic Press, 1971.
[6] Tautologia é a repetição desnecessária de uma mesma idéia usando termos diferentes. É aplicado à linguagem e às normas de redação como algo a ser evitado na escrita formal. A tautologia é uma redundância, como a expressão “círculo vicioso”.
[7] Ulterior é um adjetivo masculino e feminino da língua portuguesa, usado para descrever algo que está situado além, que ocupa o lugar seguinte em uma série, que chega ou acontece depois.
[8] R. V. Joule, Rationalisation et engagement dans la soumission librement consentie, Thèse de doctorat d’état, Université de Grenoble, 1986.
[9] S. Moscovici, Psychologie sociale, Paris, PUF, 1984, p. 166.
[10] BERNARDIN, Pascal, Maquiave Pedagogo ou o Ministério da Reforma Psicológica, Capítulo 1, p. 33 – 37.